Esse tópico trata
do relacionamento de Deus com o homem, feito à sua imagem, conforme a sua
semelhança. Nesta condição é indispensável e forçoso que o homem tenha
liberdade para agir ou deixar de agir; fazer ou deixar de fazer; pensar ou
deixar de pensar; ser ou não ser; ter ou não ter, dentro de suas limitações
espirituais, emocionais ou físicas. Como entender a soberania de Deus que é a
expressão de sua onipotência ante as ações do homem que em sua grande maioria
rejeita o Criador e Salvador? Pode o homem ser realmente livre, diante do Deus
onipotente? Se Deus é soberano, por que Ele não impede que o homem, em seu
estado pecaminoso, cometa tantos desatinos e pecados? É o que desejamos
apresentar, à guisa de respostas, com fundamento na Palavra de Deus.
1. A VONTADE
SOBERANA DE DEUS
A vontade de Deus
é soberana. No entanto, Ele não é arbitrário. Em seu relacionamento com o
homem, apresenta duas formas de expressar sua vontade. Uma de modo absoluto,
diretivo, inexorável, como expressão de sua onipotência; outra, de modo
permissivo, abrindo espaço para o homem agir, segundo a liberdade que lhe é
concedida desde a criação, para que o mesmo seja, ao mesmo tempo, livre,
responsável e responsabilizado por suas ações.
Diz Paulo: “Não
erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso
também ceifará. Porque o que semeia na sua carne da carne ceifará a corrupção;
mas o que semeia no Espírito do Espírito ceifará a vida eterna. E não nos
cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos
desfalecido” (Gl 6.7-9). Parece-nos bem claro que o homem tem liberdade para
“semear”, ou seja, agir, fazer ou praticar algo, seja certo, ou errado. Assim,
pode ser santo ou ímpio. O apóstolo deixa bem patente que o que semear “na
carne”, ou seja, de acordo com a natureza carnal, herdada do pecado original,
“ceifará corrupção”, isto é, a condenação. Não será salvo. Não porque Deus o
predestinou, de modo arbitrário. Mas porque ele semeou.
Por outro lado, se
o homem semear “no Espírito”, ou seja, der valor ao relacionamento espiritual
com Deus, “ceifará a vida eterna”. Será salvo (Jo 3.16; 5.24). No Apocalipse,
lemos: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha
voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e com ele cearei, e ele, comigo” (Ap
3.20; grifo meu). Deus sempre permite um “se”, no seu relacionamento com o
homem. Se ele quer viver com Deus, na dimensão terrena, viverá com Deus, na
eternidade. Do contrário, se não quer saber de Deus, viverá eternamente longe
de sua presença. É uma escolha pessoal. Um direito. E uma grande
responsabilidade, com repercussões para toda a eternidade.
1) Vontade
Permissiva de Deus
Por que Deus não
impede que o homem faça o mal? Por que Deus permite tanta violência? Quando
alguém faz o bem, mesmo sem crer em Deus, está sendo teleguiado por Ele? Seriam
os homens “fantoches de Deus”, como diz certo escritor? Está em foco o
livre-arbítrio concedido por Deus ao homem, para que este faça o que desejar e
puder fazê-lo até mesmo o mal. Deus pode impedir o mal. Porém, pela suavontade
permissiva, faculta ao homem escolher entre o bem e o mal. Se não houvesse
permissão para o mal, não haveria também liberdade concedida. Seria uma
contradição.
2) A Vontade
Diretiva de Deus
Quando algo é
visto por Deus como uma coisa que deve ser impedida e o deseja impedir, Ele usa
sua vontade diretiva: “Ainda antes que houvesse dia, eu sou; e
ninguém há que possa fazer escapar das minhas mãos; operando eu, quem
impedirá?” (Is 43.13) “E ao anjo da igreja que está em Filadélfia escreve: Isto
diz o que é santo, o que é verdadeiro, o que tem a chave de Davi, o que abre, e
ninguém fecha, e fecha, e ninguém abre” (Ap 3.7).
Há quem se
inquiete, e indague: Por que Deus não evita o mal se Ele tem todo o poder?
Diante desse dilema, entre a permissão de Deus para a existência do mal, e seu
poder para evitá-lo, deve-se considerar que a longanimidade de Deus é a
paciência para com os pecadores, dando-lhes oportunidade para o arrependimento.
Isso faz parte de sua relação com suas criaturas. Em sua soberania, Ele pode
alargar o tempo para que a humanidade tome conhecimento do seu amor, e não só
de sua justiça. Não obstante a sua soberania, Ele não age de modo arbitrário
sobre os homens, criados à sua imagem, conforme a sua semelhança, para serem
dominadores (Gn 1.26).
IV - A SOBERANIA E
OS DECRETOS DE DEUS
São também chamados
de “O Conselho de Deus”, ou “o Plano de Deus”; ou ainda, “As Obras de Deus”.
Refere-se aos propósitos de Deus em relação aos homens, ao universo, e a todas
as coisas, e de modo especial, à salvação da humanidade. “Este aspecto pode ser
dividido em 1) seus decretos 2) sua providência 3) conservação”.7Neste
tópico, não estudamos a natureza de Deus, em si, mas as suas obras, as suas
ações, que constituem os seu plano divino (Ef 1.9; 3.11).
1.EM RELAÇÃO AO
UNIVERSO
Segundo
Brancroft:
Esse plano compreende
todas as coisas que já foram ou serão; suas causas, condições, sucessões e
relações, e determina sua realização certa. O Plano de Deus inclui tanto o
aspecto eficaz como o aspecto permissivo da vontade de Deus. Todas as coisas
estão incluídas no plano de Deus, porém algumas Ele as origina e outras Ele as
permite. No aspecto eficaz do plano de Deus incluímos aqueles acontecimentos
que Ele resolveu efetuar por meio de causas secundárias ou pela sua própria
agência imediata. No aspecto permissivo de Deus, incluímos aqueles
acontecimentos que Ele resolveu permitir que fossem efetuados por livres
agentes.8
Nessa
conceituação, vemos a vontade diretiva (ou decretatória), e a vontade
permissiva de Deus.
Concordamos
perfeitamente quanto ao decreto divino, em seus aspectos amplo e geral, em
relação ao universo e às coisas criadas, bem como aos acontecimentos que
ocorrem, seja por vontade diretiva, seja por vontade permissiva de Deus. A
Bíblia tem inúmeras referências que corroboram esse entendimento: “Este é o
conselho que foi determinado sobre toda esta terra; e esta é a mão que está
estendida sobre todas as nações. Porque o Senhor dos Exércitos o determinou;
quem pois o invalidará? E a sua mão estendida está; quem, pois, a fará voltar
atrás?” (Is 14.26,27) “Para sempre, ó Senhor, a tua palavra permanece no céu. A
tua fidelidade estende-se de geração a geração; tu firmaste a terra, e firme
permanece. Conforme o que ordenaste, tudo se mantém até hoje; porque todas as
coisas te obedecem” (Sl 119.89-91).
2. EM RELAÇÃO ÀS
PESSOAS, COMO AGENTES-LIVRES
Neste aspecto,
desde muitos séculos, há grandes discussões teológicas sobre a intervenção de
Deus na vontade do homem, segundo seu decreto, sobretudo no que tange à
salvação. De um lado, há os que crêem firmemente que Deus, em sua soberania,
elegeu e predestinou algumas pessoas para serem salvas, e outras, para serem
condenadas. Dentre os ensinos teológicos sobre os decretos de Deus em relação
aos homens, destacamos os seguintes:
2.1. CALVINISMO -
PREDESTINAÇÃO ABSOLUTA
É a doutrina
formulada por João Calvino (1509-1564). Teólogo protestante francês, formou-se
em filosofia na Universidade de Paris. Estudou direito, mas não se dedicou à
vida jurídica. Mudou-se para a Suíça, onde escreveu sua grande obra, Institutas. Sua
doutrina defende a idéia da predestinação absoluta, fundamentada na soberania
de Deus. O homem nada pode fazer para ser salvo; nem mesmo ter fé, pois nessa
interpretação, a fé, a vontade, a decisão, e tudo o que diz respeito à
salvação, depende de Deus. Pode ser resumida em cinco pontos:
(1) Total
depravação. “O homem natural não tem
condição de entender as coisas de Deus; Jamais poderá salvar-se, a menos que
Deus lhe infunda a fé. Sua depravação faz parte de sua natureza (Jr 13.23; Rm
3.10-12; 1 Co 2.14; Ef 1.3);”
Segundo essa
doutrina, nem a fé para a salvação pode o homem ter; é necessário que Deus lhe
conceda.
(2) Eleição incondicional. Ensina que “Deus elegeu somente alguns
para serem salvos; Cristo morreu apenas pelos eleitos” (Jo 6.65; At 13.48; Rm
8.29; Ef 1.4,5; 1 Pe 2.8,9);
Esse é um ponto
fundamental da doutrina esposada por Calvino. Aceitá-la é concordar que Deus
faz discriminação, ou acepção de pessoas; mais crucial ainda é aceitar que Deus
elege pessoas para serem salvas, desde o ventre; enquanto predestina a maior
parte, irremediavelmente, para a condenação eterna; tais assertivas, não
obstante arrimarem-se em referências bíblicas, contrariam o sentido geral da
Palavra de Deus, bem como contradizem de forma contundente o caráter de Deus revelado
nas Escrituras.
(3) Expiação limitada (ou particular). “A salvação, ainda que para
todos só é alcançada pelos eleitos” (Jo 17.6,9,10; At 20.28; Ef 5.25; Tt
3.5).
Se a eleição
condicional colide com a idéia de um Deus justo, que não faz acepção de pessoas,
a idéia da expiação limitada faz do sacrifício de Cristo uma encenação
terrível. Se alguns já nascem, de antemão eleitos, certamente, a Bíblia deveria
afirmar que Jesus viera ao mundo para salvar apenas os eleitos.
(4) Graça irresistível. “Para os eleitos, a graça é irresistível.
Mesmo que pequem, serão salvos; para os não-eleitos, a graça não lhes alcança;
mas agem livremente”.
Um pouco de
leitura da Bíblia, confrontando passagens de seu conteúdo nos mostram que a
graça de Deus se manifestou a todos os homens e não apenas a um seleto grupo de
eleitos, ou predestinados.
(5) Perseverança
dos salvos. Segundo Calvino, “o
Espírito Santo faz com que os eleitos perseverem. Não são eles que têm a
decisão de perseverar. Eles não podem perder a salvação. É impossível um eleito
se perder”.
Essas são as
alegações usadas pelos calvinistas para fundamentar a doutrina da predestinação
absoluta.
Strong afirma que
os “decretos de Deus podem ser divididos em: relativos à natureza, e aos seres
morais. A estes chamamos preordenação, ou predestinação; e destes decretos
sobre os seres morais há dois tipos: o decreto da eleição e o da reprovação
[…]”9
A visão de Strong
é calvinista. Admite que Deus predestina uns para serem salvos, queiram ou não;
e outros, para a perdição eterna, queiram ou não. Parece-nos que essa doutrina
contraria diversos atributos naturais de Deus, tais como o da justiça, do amor,
e da bondade divinos. A Bíblia diz: “Pois o Senhor, vosso Deus, é o Deus dos
deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e terrível, que não faz
acepção de pessoas, nem aceita recompensas” (Dt 10.17). “E, abrindo Pedro a
boca, disse: Reconheço, por verdade, que Deus não faz acepção de pessoas” (At
10.34). “Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas” (Rm 2.11).
O Deus que não faz
acepção de pessoas também reprova quem o faz: “Meus irmãos, não tenhais a fé de
nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas” (Tg 2.1).
“Mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado e sois redargüidos pela lei
como transgressores” (Tg 2.9). “E vós, senhores, fazei o mesmo para com eles,
deixando as ameaças, sabendo também que o Senhor deles e vosso está no céu e
que para com ele não há acepção de pessoas” (Ef 6.9). Assim, se Deus não faz
acepção de pessoas, não podemos aceitar que alguns já nasçam predestinados para
a salvação, e outros, eleitos, já nasçam predestinados para a perdição.
Strong, mesmo
defendendo a predestinação, diz que “Nenhum decreto de Deus reza: “Pecarás”.
Porque 1) nenhum decreto é dirigido a você; 2) nenhum decreto
sobre você diz: “você fará”; 3) Deus não pode fazer pecar,
ou decretar fazê-lo. Ele somente decreta criar, e Ele mesmo age, de tal
modo que você queira, de sua livre escolha, cometer pecado. Deus determina
sobre os seus atos prever qual será o resultado dos atos livres das suas
criaturas e, deste modo, determina os resultados” (grifos meus).
Ora, se Deus “não
pode fazer pecar”, mas condena pessoas desde o ventre à condenação, elas terão
que pecar, para que se cumpra o decreto condenatório. Do contrário, se não
pecarem, como serão condenadas? Por outro lado, se as pessoas “de sua livre
escolha”, podem cometer ou não, o pecado, não vemos como harmonizar o
livre-arbítrio com a doutrina da predestinação. De fato, os que defendem a
predestinação absoluta negam que Deus tenha dado livre-arbítrio ao homem.
Simplesmente, os homens se comportariam como se fossem marionetes do destino
traçado por Deus. Nos parece que a predestinação absoluta equivale ao fatalismo
dos árabes, que dizem “maktub”, “está escrito”. Sua aceitação entra
em conflito com os atributos morais de Deus, de bondade, amor e justiça. Por
mais que os teólogos defensores dessa doutrina argumentem, buscando embasamento
bíblico, jamais poderão convencer que Deus discrimina uns em detrimento de
outros, com base no caráter de Deus, revelado nas Escrituras Sagradas.
2.2. ARMINIANISMO
- A PREDESTINAÇÃO RELATIVA
Doutrina pregada
por Jacobus Arminius (1560-1609). Foi sucessor de Calvino, e concluiu que o
teólogo francês se equivocara. Sua doutrina também pode ser resumida em cinco
pontos:
(1) A predestinação de Deus é condicional (e
não absoluta). “Deus escolheu baseado em sua presciência. Qualquer pessoa que
crê pode ser salva” (Dt 30.19; Jo 5.40; Tg 1.14; 1 Pe 1.2; Ap 3.20).
Em todos os livros
da Bíblia, percebe-se que o relacionamento de Deus com o homem exige condições;
se o homem as cumpre, é abençoado; se não as cumpre, é penalizado. Se uns
nascessem predestinados para a vida eterna, não adiantaria pregar o evangelho,
conforme a Grande Comissão (Mc 16.15,16);
(2) A expiação é universal. “O sacrifício de Jesus foi a
benefício de todos os pecadores. Mas só os que crêem nEle serão salvos” (cf. Jo
3.16; 12.32; 17.21; 1 Tm 2.3,4; 1 Jo 2.2);
Os textos bíblicos
referenciados são de uma clareza cristalina, quando se referem à expiação; esta
é tão profunda que tem efeito presente e até retroativo (Hb 9.15). Diz Paulo
sobre Jesus: “Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para
demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos,
sob a paciência de Deus” (Rm 3.25; grifos meus).
(3) Livre-arbítrio. “O pecado passou a todos os homens, mas
as pessoas podem crer, arrepender-se e a aceitar a Cristo como Salvador” (Is
55.7; Mt 25.41,46; Mc 9.47,48; Rm 14.10,12; 2 Co 5.10).
Como já foi
exposto neste capítulo, o livre-arbítrio é condição indispensável
para que seja real o fato de o homem ter sido criado conforme a imagem e a
semelhança de Deus, pois um ser teleguiado, manipulado por cordões espirituais,
não passaria de uma marionete do Criador.
(4) O pecador pode eficazmente rejeitar a graça de Deus. “Deus deseja
salvar o pecador, e tudo provê para que ele alcance a salvação. Mas, sendo ele
livre, pode rejeitar os apelos da graça” (Lc 18.23; 19.41,42; Ef 4.30; 1 Ts
5.19).
Se não houver essa
condição, não existe livre-arbítrio, característica fundamental do ser criado
por Deus, conforme comentário no item (3).
(5) Os crentes em
Jesus podem cair da graça. Se o crente,
uma vez salvo, não vigiar e orar (Mt 26.41), e não buscar a santificação (Hb
12.14; 1 Pe 1.15), poderá cair da graça e perder-se eternamente, se não tiver
oportunidade de reconciliar-se com Deus. Por isso, Jesus disse que quem
“perseverar até ao fim será salvo” (Mt 10.22; ver também Lc 21.36; Gl 5.4; Hb
6.6; 10.26,27; 2 Pe 2.20-22).
A doutrina
arminiana nos parece coerente com o plano de Deus para os homens, como seres
livres. Podem aceitar, ou podem rejeitar a graça de Deus. Só sendo livres, é
que se justifica a semelhança moral do homem com seu Criador. É também, a única
interpretação que se coaduna com o Ser de Deus, e seu caráter, revelado na
Bíblia Sagrada. Deus dá liberdade ao homem, dentro dos limites estabelecidos em
seu plano divino para toda a humanidade. A soberania de Deus impõe os limites.
O livre-arbítrio concedido por Deus implica em responsabilidade do homem
perante o Criador. Do contrário, Deus seria um tirano. E o homem seria seu
títere.10
3. ELEIÇÃO E
PREDESTINAÇÃO - UMA ABORDAGEM COMPREENSIVA
Eleição significa
“Ato de eleger; escolha, opção, preferência, predileção”.11 A
doutrina calvinista entende que Deus elegeu somente um grupo de pessoas, e
predestinou-as para serem salvas. É a visão da eleição e da predestinação
absolutas. Os arminianos entendem que existe eleição e predestinação, sim, mas
no sentido relativo. Esta visão parece-nos mais consentânea com a maneira pela
qual Deus exerce sua soberania, ao mesmo tempo em que assegura a liberdade do
homem.
A predestinação
absoluta esbarra em sério conflito doutrinário e moral. Deus não faz acepção de
pessoas, e o Deus que não faz acepção de pessoas também reprova quem o faz:
“Meus irmãos, não tenhais a fé de nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhor da glória, em acepção de pessoas” (Tg 2.1; grifos meus).
“Mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado e sois
redargüidos pela lei como transgressores” (Tg 2.9; grifos meus); “E vós,
senhores, fazei o mesmo para com eles, deixando as ameaças, sabendo também que
o Senhor deles e vosso está no céu e que para com ele não há acepção de
pessoas” (Ef 6.9; grifos meus). Assim, se Deus não faz acepção de pessoas,
não podemos aceitar que alguns já nasçam predestinados para a perdição, e
outros, eleitos, já nasçam predestinados para a salvação. Tal ideia contradiz o
caráter de Deus, revelado nas Escrituras.
3.3. O SIGNIFICADO
DA ELEIÇÃO (gr.eklegoe)
Há diversos e
variados pontos de vista sobre o tema da eleição. No entanto, evitando as
abordagens que levam às contradições entre a soberania de Deus e a liberdade do
homem, entendemos que eleição é a “escolha por Deus daqueles que crêem em
Cristo”. Diz a Bíblia: “Porque os que dantes conheceu, também os predestinou
para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito
entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que
chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também
glorificou” (Rm 8.29,30; 9.6-27; 11.5,7,28; Cl 3.12).
Isso nos leva às
seguintes conclusões:
(1) Os eleitos,
segundo a presciência de Deus, o são na união com Cristo. Deus “nos elegeu
nele” (Ef 1.4). Antes de alguém aceitar a Cristo, a eleição não tem qualquer
sentido, ou efeito;
(2) Deus nos
predestinou para sermos “à imagem de seu Filho”, conhecendo-nos, como eleitos,
“dantes”, isto é “antes da fundação do mundo” (Ef 1.4). Essa eleição tem
sentido “profético”, só se tornando real, a partir da união com Cristo.
(3) Cristo é o
Primeiro (Mt 12.18; 1 Pe 2.4). “Porque os que dantes conheceu, também os
predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o
primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29). Jesus foi o primogênito em tudo.
Foi o “primogênito de toda a criação” (Cl 1.15). “E ele é a cabeça do corpo da
igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha
a preeminência” (Cl 1.18); “o primogênito dos mortos” (Ap 1.5).
(4) “A eleição em
Cristo é em primeiro lugar coletiva, i.e., a eleição de um povo (Ef 1.4,5,7,9;
1 Pe 1.1; 2.9). Os eleitos são chamados ‘o seu [Cristo] corpo’ (Ef 1.23; 4.12),
‘minha igreja’ (Mt 16.18), ‘povo adquirido’”12 - eleito ¾ por
Deus (1 Pe 2.9; grifo meu). Logo, a eleição é coletiva e abrange o ser humano
como indivíduo, somente à medida que este se identifica e se une ao Corpo de
Cristo, a Igreja verdadeira (Ef 1.22,23).
(5) O eleito
pode perder a salvação. Pode cair da graça, no dizer de Armínio. Precisa
perseverar até o fim (Mt 10.22); precisa vigiar e orar (Mt 26.41); precisa
buscar a santificação (Hb 12.14; 1 Pe 1.15); ver também Lc 21.36; Gl 5.4; Hb
6.6; 10.26,27; 2 Pe 2.20-22). A salvação só é eterna, se o crente permanecer
debaixo da graça de Deus, em comunhão com Jesus.
3.4. O SIGNIFICADO
DA PREDESTINAÇÃO (gr. proorizo; lat. praedestinatione)
Predestinação tem
o significado de “decidir de antemão”. Em termos bíblicos e teológicos, a
predestinação está relacionada à eleição. “A eleição é a escolha feita por
Deus,’em Cristo’, de um povo para si mesmo (a Igreja verdadeira). A
predestinação abrange o que acontecerá ao povo de Deus (todos os crentes)
genuínos em Cristo”.13Com base na Palavra de Deus, podemos
discriminar dez característica dos eleitos em Cristo.
(1) Deus predestina os eleitos
a serem:
(a) chamados (Rm 8.30);
(b) justificados (Rm 3.24);
8.30);
(c) glorificados (Rm
8.30);
(d) conformes à imagem do
Filho (Rm 8.29);
(e) santos e irrepreensíveis
(Ef 1.4);
(f) adotados como filhos (Ef
1.5);
(g) redimidos (Ef 1.7);
(h) participantes da herança,
redenção, e louvor de sua glória (Ef 1.14);
(i) participantes do Espírito
Santo (Ef 1.13; Gl 3.14);
(j) criados em Cristo Jesus
para as boas obras (Ef 2.10).
(2) A predestinação, assim
como a eleição, refere-se ao corpo coletivo de Cristo (i.e. a verdadeira
igreja), e abrange indivíduos somente quanto inclusos neste corpo mediante a fé
viva em Jesus Cristo (Ef 1.5,7,13; cf. At 2.38-41; 16.31)”.14
Ninguém, à luz da Bíblia, pode
arrogar-se eleito, ou assim se considerar sem, antes, ter aceitado a Cristo
como Salvador, livre e conscientemente. Deus não admitiria alguém fazer parte
do Corpo de Cristo sem uma decisão pessoal. Diz a Bíblia: “Jesus dizia, pois,
aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha
palavra, verdadeiramente, sereis meus discípulos” (Jo 8.31; grifo meu). O
Mestre se referia aos judeus que criam nele. Para se tornarem discípulos de
Jesus, isto é, salvos, teriam de “permanecer” na sua Palavra. Vê-se claramente
que a salvação, que implica em eleição, não é um direito adquirido com o
nascimento. É um “poder” outorgado (Jo 1.12), a quem aceita as condições
exigidas na Palavra de Deus.
3.5. PRESCIÊNCIA E
PREDESTINAÇÃO
Deus já sabe quem vai ser
salvo e quem vai ser perdido. Mas Ele fez os homens à sua imagem e semelhança,
o que inclui, certamente, a faculdade de fazer ou deixar de fazer, ou seja, o
livre-arbítrio. Chafer (note-se que ele é um teólogo calvinista), afirma que
Com relação à onisciência de
Deus e as ações livres dos homens (ações contingentes, não ordenadas), vê-se
que Deus os torna responsáveis pelos seus atos, e tais ações são pré-conhecidas
por Ele. Se Deus for ignorante das ações futuras dos livres-agentes, não poderá
haver um controle divino seguro do destino humano como garantido em cada pacto
incondicional que Deus fez, e como garantido em cada profecia das Escrituras
[…] A presciência divina não compele; ela meramente sabe qual será a
escolha humana15 (grifo meu).
Com base nesse entendimento,
poder-se-ia dizer que não é necessário Deus prever nada, pois todas as coisas
acontecem diante dEle como num momento, num “eterno agora”. Diz ainda Strong
que a “presciência não é em si mesmo causativa. Não dever ser confundida com a
vontade pré-determinante de Deus. As ações livres não ocorrem porque
são previstas, mas são previstas porque ocorrem”16 (grifo
meu). Esta última citação nos dá uma idéia de como melhor podemos entender o
conflito entre a presciência de Deus e a liberdade do homem em agir.
Strong afirma que "O fato de que nada há na
condição presente das coisas a partir das quais as ações futuras das criaturas
livres necessariamente se seguem por lei natural, não impede Deus de prever
tais ações porque seu conhecimento não é mediato, mas imediato. Ele não só
conhece antecipadamente os motivos que ocasionarão os atos dos homens, mas
diretamente conhece os próprios atos."17
Num confronto entre as duas
posições doutrinárias, a arminiana e a calvinista, ressalta-se o problema da
eleição:
Ela tem sido apresentada de
maneira tão extremista que faz parecer que os eleitos serão inevitavelmente
salvos, sem levar em conta sua resposta ao evangelho e seu estilo de vida. Por
outro lado, os escolhidos para se perderem padecerão eternamente, não obstante
qualquer empenho em aproximar-se de Deus mediante a fé em Cristo.18
Em resposta à pergunta “O que
é eleição?”, Thiessen diz que, no seu sentido redentivo, eleição é “o ato
soberano de Deus, pela graça, através da qual Ele escolheu em Cristo Jesus,
para salvação, todos aqueles que previu que o aceitariam”.19 Sobre
presciência, acentua:
Devemos distinguir claramente
entre a presciência de Deus e a sua predestinação. Não é certo dizer que Deus
previu todas as coisas porque arbitrariamente decidiu fazer com que elas
ocorressem. Deus, em sua presciência, vê os eventos futuros praticamente como
vemos os passados […] Os que foram escolhidos são aqueles que estavam em
Cristo, pela sua presciência, Deus já os viu ali quando fez a escolha […] Ele
não determinou quem deveria achar-se ali, mas simplesmente os viu ali em Cristo
ao elegê-los […] Em ponto algum a Bíblia ensina que alguns são predestinados à
condenação. Isto seria desnecessário, desde que todos são pecadores e estão a
caminho da condenação eterna (cf. Ef 2.1-3; 12).20
Diante da controvérsia, Myer
Pearlman propõe um equilíbrio na análise do assunto. Ele afirma que:
As respectivas posições
fundamentais, tanto do calvinismo, como do arminianismo, são ensinadas nas
escrituras. O calvinismo exalta a graça de Deus como a única fonte de salvação
¾ e assim faz a Bíblia; o arminianismo acentua a livre vontade e
responsabilidade do homem ¾ e assim o faz a Bíblia. A solução prática consiste
em evitar os extremos anti-bíblicos de um e de outro ponto de vista, e em
evitar colocar uma idéia em aberto antagonismo com a outra […] dar ênfase
demasiada à soberania da graça de Deus na salvação pode conduzir a uma vida
descuidada, porque se a pessoa é ensinada a crer que conduta e atitude nada têm
a ver com sua salvação, pode tornar-se negligente. Por outra parte, ênfase
demasiada sobre a livre vontade e responsabilidade do homem, como reação ao
calvinismo, pode trazer as pessoas sob o jugo do legalismo e despojá-las de
toda a confiança de sua salvação.21
De fato, o crente fiel não cai
da graça de Deus, como dizem os calvinistas, mas “se” perseverar em obediência
e santidade (Hb 3.12-14;12.14); o homem é depravado, mas, se aceitar a Cristo,
é nova criatura (2 Co 5.17). A “eleição incondicional” só pode ser uma
interpretação equivocada, mesmo baseando-se em textos bíblico, pois Deus não
faz acepção de pessoas. O problema é que os calvinistas não admitem o livre
arbítrio. Mas, sem essa condição, o homem não poderia ser imagem e semelhança
de Deus.
Quanto ao arminianos, seus
pontos fundamentais são aceitáveis, mas não podem ser levados ao extremo. Não é
somente pelo livre-arbítrio ou pela responsabilidade pessoal que alguém pode
ser salvo. Entendemos que as duas interpretações podem servir de subsídio para
a doutrina da salvação, mas sem as afirmações dogmáticas, levadas ao extremo.
Na salvação, tem-se a mão de Deus, por intermédio de Cristo, vindo ao encontro
do homem pecador, por seu amor e sua misericórdia. Quando o homem perdido
reconhece seus pecados, e sua condição de miserável espiritual, e aceita a mão
de Deus em seu favor, é salvo. No entanto, quando o perdido prefere rejeitar a
mão de Deus, e opta pela mão do Diabo, está perdido, e assim ficará até à
morte.
Corroborando esse
entendimento, vemos o que diz o Senhor, por meio do profeta Ezequiel: “Quando
eu também disser ao ímpio: Certamente morrerás; se ele se converter do
seu pecado e fizer juízo e justiça, restituindo esse ímpio o penhor,
pagando o furtado, andando nos estatutos da vida e não praticando
iniqüidade, certamente viverá, não morrerá. De todos os seus pecados
com que pecou não se fará memória contra ele; juízo e justiça fez, certamente
viverá” (Ez 33.14-16; grifos meus). Aí, nesse texto tão incisivo, vê-se que
“o ímpio”, ou seja, o perdido, o depravado, o miserável pecador, quando ouve a
advertência de Deus, por meio de sua Palavra, do evangelho de Cristo, na Nova
Aliança, e se arrepende, (”e se converter”, passando a andar “nos estatutos da
vida”, que é a Palavra de Deus), diz o Senhor: “Certamente viverá”, isto é,
será salvo. Não se pode inferir do texto qualquer conotação de que esse “ímpio”
seria um “eleito”, ou “predestinado”. É ímpio mesmo! Note-se também que não é
Deus quem o converte, por sua “graça irresistível”, mas é ele próprio quem,
advertido por Deus, deve “se converter do seu pecado”, e passar a andar “nos
estatutos da vida”. Fazendo ele isso “certamente viverá”.
Segundo Horton se a graça de
Deus é irresistível, como enfatizou Calvino,
os incrédulos pereceriam, não
por não quererem corresponder, mas por não poderem. A graça de Deus
não seria eficaz para eles. Nesse caso, Deus pareceria mais um soberano
caprichoso que brinca com seus súditos que um Deus de amor e graça. Sua
promessa: “todo aquele que quer” seria uma brincadeira de inigualável
crueldade, pois Ele é quem estaria brincando. Mas o Deus e Pai de Nosso Senhor
Jesus Cristo não brinca conosco22 (grifos meus).
“Entendemos que a
interpretação arminiana é a mais consentânea com o caráter de Deus, que é ao
mesmo tempo justo, soberano, bom, e que não faz acepção de pessoas”.23
É indiscutível, à luz da
Bíblia, a soberania de Deus. Por outro lado, também é indiscutível à luz das
Escrituras, que o homem recebeu de Deus o livre-arbítrio, para que seja
responsabilizado por seus atos. Ao longo da História, observa-se que a maioria
das pessoas não querem encurvar-se ante a soberania de Deus. Muitos vêem Deus
como um ser distante, que criou todas as coisas, mas não se importa com suas
criaturas. São os deístas. Outros, guiados pela cegueira espiritual,
desacreditam na existência de Deus. São os ateístas. Por fim, há os que, em
minoria, aceitam as verdades emanadas da Palavra de Deus, e não somente crêem
nEle, como o adoram, e o servem “em espírito e em verdade” (Jo 4.24). São os
teístas. A crença em Deus, pelos méritos de Jesus Cristo, é o único meio para
que o ser humano chegue à eternidade, com a bênção da salvação. Os que o
aceitam, são salvos. Os que o rejeitam, estão condenados (Jo 3.18,19). Deus não
faz acepção de pessoas. Sua salvação é oferecida a todos (Jo 3.16), mas só é
alcançada pelos que crêem em Jesus Cristo e o aceitam como salvador.
Notas
7 HORTON, Stanley M. Teologia
Sistemática, p.153.8 BANCROFT, E.H. Teologia Elementar, p.
82.9 STRONG, Augustus H. Teologia
Sistemática, p.525.10 “Boneco articulado, de madeira, pano ou outro
material, suspenso por fios fixados em uma trave e presos na cabeça, mãos,
joelhos e pés, pelos quais o operador o movimenta; fantoche, marionete” (Dicionário
Aurélio Séc. XXI).11 Dicionário Aurélio Século XXI.12 STAMPS, Donald. Bíblia de Estudo
Pentecostal. p.1808.13 Ibid. p.1809.14 Ibid. p.1809 (com adaptações).15 CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática,
p.221.16 STRONG, Augustus H. Teologia Sistemática,
p.426.17 Ibid, p. 424.18 Guy P. DUFFIELD & Natanael M. Van Cleave, Fundamentos
da teologia, p. 281.19 Ibid. p.281.20 Ibid. p. 282.21 PEARLMAN, Myer. Conhecendo as Doutrinas da
Bíblia, p.271.22 HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática,
p.366,367.23 LIMA, Elinaldo Renovato de. Apostila sobre
Doutrina de Deus, p.
Uma publicação do Revendo Pr. Elinaldo Renovato
de Lima.
Pesquisa e edição:
Pb. Gilmar Sousa